O conteúdo abordado pode servir desde ao atleta profissional, até àquele ciclista que deseja fazer um pedal para se reunir com os amigos sem compromisso de competir. O atleta amador que deseja superar um desafio como Audax Randonneurs ou uma ultramaratona de MTB, também pode se beneficiar do conteúdo. Lembrando que o meu objetivo aqui é informar e que essa informação não substitui a intervenção de um psicólogo do esporte, apenas mostra um pouco de como é realizado o trabalho desse profissional.
Se desejas desenvolver habilidades psicológicas necessárias à prática esportiva, seja para seus treinamentos, competições ou mesmo para utilizar em outros âmbitos da vida, contate um profissional da área. Desenvolva suas potencialidades! Observe-se! Descubra-se! Conheça-se! Persista! Vença!
Como se preparar para uma competição? Como superar momentos difíceis nos treinos ou provas? Como lidar com a ansiedade pré-competição? Qual o nível de ativação ideal para competir? Estes e muitos outros temas serão abordados, a partir desta edição, com um enfoque psicológico. Mas não quero que isso seja de uma forma “fechada”, gostaria da participação de todos os ciclistas: você pode mandar dúvidas, sugestões de temas a serem abordados, críticas. Quero contribuições, quero contribuir e agregar ao esporte com conteúdo de qualidade e para isso sua ajuda será sempre bem-vinda. Espero que aproveite a leitura e, sem mais delongas, segue o primeiro artigo.
Parada de pensamento
(Técnica do PARE) e autoinstrução
“Eu não vou conseguir ficar nessa roda”, “ele não vai aliviar nunca?”, “não vou conseguir manter esse ritmo”, “hoje é dia de pedal e estou cansado”, “esse morro não tem fim?”, “essa bike está pesada pra mim”, “hoje eu estou uma moto, vou forçar mais um pouco”.
Esses são alguns pensamentos que podemos ter enquanto pedalamos em um treino, competição, ou mesmo em um percurso mais difícil de um passeio. Quando estamos pedalando é comum termos vários tipos de pensamentos, sensações e emoções. Algumas serão negativas e provavelmente nos farão diminuir o ritmo e outras positivas que nos impulsionarão a continuar. O fato é que continuamente estamos sendo bombardeados por um carrossel de pensamentos variados.
Normalmente nos preparamos para sair e pedalar, pensamos nas condições da bike, nas condições do tempo, na nossa condição física, na alimentação que vamos levar e por aí vai. Mas pensamos sobre o que vamos pensar durante um pedal? Quando a coisa ficar feia no morro – e normalmente fica -, como eu lido com essa situação? E quando ainda está leve eu preciso me preocupar com o que está por vir? Você já reparou no que pensa enquanto pedala? Para tentar lidar com esses pensamentos vou explicar duas técnicas que parecem ser bem básicas, mas que podem ser muito poderosas se usadas no momento certo e da maneira correta.
Parada de pensamento ou Técnica do PARE
Essa técnica consiste em utilizar uma palavra previamente selecionada para parar os pensamentos que podem causar um efeito prejudicial sobre a sua performance. Normalmente esses pensamentos negativos têm um efeito do tipo “bola de neve” e nos retiram a clareza da forma de pensar. Essa palavra tem de acabar com essa cascata de pensamentos, muitas vezes intrusivos e sabotadores.
Vou dar-lhes um exemplo: você está andando na roda de outro ciclista em um ritmo forte, e ambos têm capacidade física para manter. De repente você percebe os seguintes pensamentos: “está difícil manter esse ritmo hoje”, “se eu aliviar talvez ele alivie um pouco também”. É incomum esses pensamentos não surgirem em algum momento difícil do pedal, até porque nosso cérebro está recebendo as informações de todo o corpo e pode lançar reações precipitadas que fazem parte de seu mecanismo de defesa. É nesse momento que devemos parar esses pensamentos e utilizar a palavra que previamente selecionamos.
É importante que a palavra escolhida tenha um forte significado para você, que ela faça você lembrar de momentos de superação já vividos. Pode ser algo tipo: “siga”, “pare”, “blindado”, “relaxa”, “vai”. Esses são exemplos de palavras que já vi atletas utilizando e que para eles funcionava muito bem. Pode até mesmo ser uma breve frase do tipo: “ninguém quer ser feio”, como o conhecido Brou Bruto utiliza. Lembrando que é importante que essa palavra possa trazer boas lembranças de momentos já vividos de superação, de um momento que para você foi épico em um treino ou competição, até mesmo um momento de superação em sua vida pessoal. A palavra ou frase pode ser acompanhada de um gesto como os praticados pelo tenista Nadal.
Alguns atletas preferem escrever a palavra em algum local visível, atletas de lutas escrevem na faixa, tenistas na raquete, surfistas na prancha. Os ciclistas podem colar a palavra ou frase na bike, no guidão, na mesa do guidão, no quadro, nas luvas, onde julgar melhor. Uma sugestão interessante é colocar no guidão ou na mesa, já que tendemos a olhar para baixo quando estamos cansados ou em uma subida. Se você conseguiu utilizar a técnica é provável que cessem os pensamentos, mas ao longo do percurso podem voltar a aparecer. Talvez nesse momento seja interessante o uso de outra técnica em conjunto.
Autoinstruções
As autoinstruções se referem à identificação de verbalizações encobertas, ou seja, pensamentos intrusivos e indesejáveis que por possuírem teor depreciativo podem minar a nossa disposição para manter o desempenho. Uma vez identificadas, nós devemos introduzir novas instruções através de frases, sempre com teor positivo, nunca negativo. No primeiro momento você aprendeu a parar os pensamentos, agora, após pará-los, você precisa substituí-los por novas instruções. Por exemplo:
Quando se está andando na roda e percebe a dificuldade, estipule novas instruções do tipo: “siga até aquele ponto na estrada”, “mantenha o ritmo por mais x minutos”, “vamos até ultrapassar o pelotão”. Em situações em que você está no meio da prova e é surpreendido por um ataque inesperado, você pode se instruir da seguinte forma: “vamos lá, você está certo, espere um pouco, logo vem um trecho mais favorável e ele pode ser alcançado, confie”, “continue a marcar seu ritmo, esqueça os outros”, “espere, recupere-se andando na roda, depois ataque”. Quando estiver subindo um morro duro ou longo pode-se dizer as seguintes instruções: “respire, mantenha o ritmo e não acelere”, “reduza uma marcha e mantenha o ritmo até o final”, “paciência, mantenha o ritmo e nos últimos 50 m desça duas marchas e pedale em pé até o fim”. Se for um pedal longo, talvez as instruções no início tenham de ser para controlar o ritmo e não acelerar: “mantenha-se focado no ritmo, não acelere, ainda faltam 80 km”; “na subida reduzo marcha, mas mantenho giro sem forçar”.
É importante manter o reforçamento positivo após conseguir cumprir a autoinstrução. Elogie-se: “parabéns”; “eu fui capaz de me superar como daquela vez”. Reconheça o seu mérito, isso manterá a motivação e aumentará a probabilidade de você se esforçar cada vez mais para cumprir a autoinstrução. As técnicas psicológicas precisam ser treinadas constantemente para que sejam dominadas de forma a serem utilizadas nas mais diversas situações. Desenvolva seu repertório de palavras para bloquear os pensamentos indesejados e monte suas autoinstruções para as diferentes situações. Programe o que vai pensar durante os seus treinos e competições, com certeza isso pode servir para conseguir dar aquele gás a mais na hora do aperto.
Fonte: https://revistabicicleta.com/